segunda-feira, 19 de abril de 2010

Pra ver a vida lá fora



A Starbucks tem uma coisa da qual gosto muito e é imprescindível a uma cafeteria: a visão do movimento na rua. Às vezes até levo algo para ler ou estudar, mas são muito necessárias as pausas para simplesmente “ver a vida passar” lá fora. Relaxam mais do que pensamos.

É mais fácil conseguir essas pausas num “terceiro lugar” que convide à contemplação do que em casa, onde mil coisas te chamam a atenção a todo momento... Um telefone que toca, a TV teimosamente ligada...

Neste domingo, passei num Starbucks da Paulista para beber algo quente. Como estava adiantado para um compromisso, fiquei um pouco numa poltrona voltada para o movimento do shopping e da calçada. Foi nessa de passar o tempo que uma cena me chamou a atenção.

Uma moça em seus vinte e poucos anos passou, com uma cara não muito boa. Embora bonita, confortavelmente vestida para um dia quente, ela estava com o semblante triste, meio pesado até. Parava em frente às vitrines olhando, mas não vendo. E continuou assim por longos minutos até sumir de meu campo de visão.

Algo em torno de meia hora depois, voltou, com a mesma expressão entre tristeza e tédio. Até que seu celular vibrou na bolsa...

Ela pegou o telefone sem muita vontade e levou-o ao ouvido, displicentemente. Mas ao ouvir quem ligava do outro lado, despertou de imediato. Recostada a uma coluna, um sorriso começou a nascer naquele rosto até então triste e meio vazio. Não demorou muito, e ela sorria entre lágrimas, tentando enxugar os olhos com a mão, sem sucesso.

Começou a caminhar pelo corredor do shopping, mais ouvindo que falando... E sempre chorando. Mas era um daqueles choros que tiram um senhor peso dos ombros. Voltou e sentou-se a uma das mesinhas externas do café. Ficou ali quietinha, acompanhada de seu sorriso molhado, contando com a sorte de os atendentes do SB, os “partners” terem como regra não perturbar os clientes.

Após um visível suspiro, com a expressão bem mais leve, rosto já seco, mas inchadinho e avermelhado de uma forma bonita, levantou-se, entrou e pediu uma bebida gelada. Parou em frente à estante e escolheu uma bonita caneca da cafeteria, que pediu para embrulharem para presente. Escolheu com tempo, paciência, e, sem perceber, fazia até um certo carinho na peça escolhida, esperando a partner pegá-la para embrulhar.

E saíram de uma forma muito mais agradável de se ver a moça bonita, o Frapuccinno colorido, a caneca de presente e um sorriso tão gostoso que ganhou companhia no rosto do rapaz cansado de óculos escuros, que via tudo enfiado lá na poltrona do canto.

É... Apesar de algumas coisinhas, foi um bom domingo.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Contra o Estereótipo (ou Um Senhor Terceiro Lugar)




Ainda ontem eu conversava com uma jornalista sobre o lance gostoso e urbano do “terceiro lugar”. Até brinquei, falando que é como se meu apartamento fosse meu quarto, e o bairro fosse o resto da casa, só que com várias salas de estar. Percebi que um terceiro lugar não precisa ser um café exatamente, mas um bairro inteiro, algumas vezes. Então, quis mostrar um pouquinho do meu, num texto pequeno à guisa de crônica (não que eu me considere cronista como meus ídolos de infância e adolescência, mas estou com saudades de ler textos assim). Então peguei esse textinho em que falei para umas pessoas de longe de como estavam erradas sobre o que achavam do lugar em que moro.



Meu bairro tem céu azul. Muito azul! Nele, periquitos em bando fazem a maior algazarra, brincando o tempo todo, soltos. Bem-te-vis e sabiás pulam pelos canteiros e calçadas, os últimos com cara de bravos (não sei o porquê, mas sempre achei que sabiá tem cara de bravo, mas é lindo assim mesmo).

Em meu bairro, o moço da banca de revista, a moça do café, o cara da padaria e o vigia noturno conhecem as pessoas pelo nome. As pessoas e os cachorros, que parecem não ser só de seus donos, mas mascotes da rua toda. E haja cafuné! Em meu bairro há um supermercado bonito e tranqüilo, que recebe luz natural, assim como recebe bem os clientes com música suave (dia desses fui recebido ao som de Norah Jones... funcionou... eu ia comprar lenço de papel e saí com o jantar todo de uma vez).

Aqui no bairro há senhoras (orientais ou não) fazendo tai-chi na manhã fresca e ensolarada, sob um céu azul que vem te dar bom dia. Depois, tomam água de coco aberto na hora, animadas, pondo a conversa em dia (durante o tai-chi é silêncio mesmo). Em meu bairro, podemos caminhar de dia e à noite, ainda tranquilos. Há vilas com sobradinhos coloridos e floridos, com o cachorro brincando na garagem ou o gato espreguiçando-se ao sol em cima do muro.

Sim, em meu bairro ainda há pracinhas com grandes árvores, sob as quais crianças brincam nos playgrounds. Há jovens jogando vôlei nas quadras, suando e rindo. Há feiras no meio da rua, naquele velho estilo de “mulher bonita não paga, mas também não leva”. Com pastel, caldo de cana e tudo. Há gente bonita indo para o trabalho com a sacolinha de papel com pão de queijo e copinho de isopor com café para viagem. Há o rapaz da bicicleta com uma cesta de pães na frente, com sua buzina de borracha chamando lá dentro de casa gente que quer pão quentinho para o café e vem pegá-lo na calçada, de roupão e chinelo.

A propósito, este meu bairro fica na maior cidade do país, famosa por só ter concreto, asfalto, poluição, violência e barulho. E isso não é no subúrbio. É a cinco minutos do centro. Em parte, é verdade que essas coisas lamentáveis existem. Também. Não muito aqui no bairro, felizmente.

Mas erra quem acha que é só isso. Ignorantemente.